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Polêmicas… verdades…

Todos sabem que a verdade é que nos liberta e que sepulta as mais acirradas polêmicas. É também do conhecimento geral que nada pode ser totalmente desprezível, pejorativo, desdourado ou amaldiçoado. Assim, antes de polemizar, devemos buscar o lado bom, o que é amável, excelente, respeitável, dignificante, elogioso, aurificado, bendito, louvado ou bem-aventurado.

Daí por que, eu que sou potiguar, descendente do bravo cacique Antônio Filipe Camarão (1600 – 1648) e, ao mesmo tempo, proveniente do povo Tabajara, trazendo nas veias sangue português, holandês e africano, não me consigo indignar, em sendo cognominado de tabajara, papa-jerimum, nórdico ou ariano. Tudo isso sou, faz mais de quinhentos anos. E “paraíba”? Ah! Seria motivo de orgulho. Sou norte-rio-grandense desde o nascimento, mas sou paraibano, inclusive, meu avô materno era natural da Serra de Araruna. Ufanar-me-ei sempre por haver nascido no solo potiguar, embora saiba ser enorme a responsabilidade de engrossar a fileira dos que combateram e ainda lutam sem trégua em prol da humanidade, como Dionísia Gonçalves Pinto ou Nísia Floresta Brasileira Augusta (1810- 1885), educadora, escritora, poetisa, defensora de ideais abolicionistas, republicana e antecipadora da consciência feminista; Celina Guimarães Viana, primeira mulher a alistar-se como eleitora no Brasil, fazendo-o com base na Lei n° 660 – RN de 1927; Luíza Alzira Soriano Teixeira que se elegeu para dirigir o município de Lajes como recordista de votos, em 1928, cuja eleição se realizou à luz da lei estadual já mencionada proveniente da genialidade dos seridoenses Juvenal Lamartine de Faria e José Augusto Bezerra de Medeiros, o primeiro, senador, e o segundo governador do Estado, ao tempo em que o normativo foi editado.

Em se falando de potiguares que transbordam os limites do Nordeste, vem à lembrança o nome de mais um seridoense, Amaro Cavalcanti (1849- 1922), que nasceu na fazenda Logradouro, no município de Jardim de Piranhas, doutor em Direito pela Albany Law School, em Nova Iorque, conquistando o primeiro lugar entre o alunado da sua turma, defendendo a tese “É a Educação uma Obrigação Legal?”. Foi membro da Corte Permanente de Arbitragem, Haia, Consultor Jurídico do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, Procurador-Geral da República e constituinte em 1891. Foi ministro do Supremo Tribunal Federal a partir de 11 de maio de 1906, aposentando-se em 31 de dezembro de 1914; prefeito do então Distrito Federal e Ministro de Estado da Fazenda durante o governo do Doutor Delfim Moreira.

Cumprir o dever como potiguar é avançar na trilha aberta pelo médico Januário Cicco (1881 – 1952), seguir as pegadas do agrônomo Jerônimo Vingt-un Rosado Maia (1920 – 2005), do educador Otto de Brito Guerra (1912 -1996) e guardar as aulas de Direito Internacional Público do mestre Luís da Câmara Cascudo (1898- 1986), historiador, antropólogo, advogado, jornalista e autor de mais de três dezenas de livros; esse estudioso incansável nasceu, viveu e encantou-se e jamais se arredou da sua aldeia. Até o Velho Casarão da Ribeira que, ao tempo do seu professorado, abrigava a Faculdade de Direito de Natal, favorecia seu caminhar ligeiro, porque próximo da sua residência, na avenida Junqueira Aires, hoje avenida Câmara Cascudo, onde se encontra o Luduvicus — Instituto Câmara Cascudo. Tantos outros nomes de potiguares excelsos acresceriam essa plêiade, cuja leitura, embora agradável, tornar-se-ia estafante.

Como se vê, caminhar, ainda que de longe, no rumo tracejado pelos potiguares ilustres, probos, briosos, cumpridores do dever, sem descurar da lhaneza, é assumir responsabilidade gigantesca e ter coragem para pisar onde os bravos não ousam e reparar o mal irreparável. [1] Imaginem o peso desse múnus se alguém, ao mesmo tempo, seja potiguar e tabajara, ou genuíno paraibano, no lídimo sentido do termo, decorrente do jus sanguinis, como é o meu caso!

No arco que se forma, pelo litoral, desde o Maranhão até o sul da Bahia, predominavam a Nação Potiguara e o Povo Tabajara, ao tempo em que o espanhol Vicente Yáñez Pinzón (1462 – 1514) chegou ao Cabo de Santo Agostinho, no dia 26 de janeiro de 1500 ou, como queiram os mais radicais, em 22 de abril daquele ano, quando Pedro Alvares Cabral (1467- 1520) ancorou suas naus na Costa da Bahia e constatou que a terra era povoada pelos nativos. Assim, mostra-se adequado dizer que os nordestinos são a linhagem direta de Potiguaras e Tabajaras ou, como carinhosamente os sulistas os chamavam: PARAÍBAS, a partir de 1919, quando Epitácio Pessoa, paraibano de Umbuzeiro, foi eleito Presidente da República. Naquele momento, referir-se a nordestino assim, não denotava nenhum desdouro, vez que o supremo mandatário da Nação havia nascido no interior da pequenina Paraíba, estudado no Nordeste e dali expandido suas fronteiras como cidadão do mundo — tornando-se cosmopolita — a ponto de eleger-se Presidente da República, em disputa acirrada com o baiano Rui Barbosa, permanecendo na Europa, caso único na política brasileira. Os menos avisados imaginariam que esse paraibano foi arrogante, disputando a cadeira mais relevante da Nação com os pés na Europa; não é bem assim. Epitácio cumpria seu dever como juiz da Corte de Haia. E, naquele momento, os meios de transporte estorvavam os deslocamentos e, por outro lado, o Brasil não podia esperar; o eleito, Francisco de Paula Rodrigues Alves (1848- 1919) que havia de tomar posse no dia 15 de novembro de 1918, não o fez, vindo a falecer em [DRCdO1] 16 de janeiro de 1919, vítima da gripe espanhola; e o vice-presidente, Delfim Moreira da Costa Ribeiro (1868- 1920), que assumiu a presidência interinamente, encontrava-se enfermo.

O leitor ficará perplexo com o emaranhado de fatos que trago à colação, devendo jungir-me ao título encimado. E que acredito que as nações que desprezam a história estão condenadas a repetir suas tragádia[2]Daí ser do nosso dever relembrar pontos históricos com o mesmo entusiasmo com que os devotos repetem suas orações.

Retomo o fio da meada dizendo que Epitácio Pessoa, como todo grande espirito, primava pela simplicidade, embora enérgico no cumprimento do dever, era capaz de azorragar quem optasse pela desordem, como fizera o Nazareno para expulsar do templo vendedores e cambistas.[3]

Epitácio Lindolfo da Silva Pessoa (1865 – 1942) preparou-se para as ribaltas estatais na Faculdade de Direito do Recife, onde foi lente catedrático. Antes, contudo, venceu adversidades, eis que órfão desde os sete anos de idade, quando seus pais morreram vitimados pela varíola. Iniciou sua carreira como Promotor, em Bom Jardim, interior da Província de Pernambuco, mais tarde foi secretário de Estado na Paraíba; elegeu-se constituinte em 1891. Em 15 de novembro de 1898, foi nomeado Ministro da Justiça e Negócios Interiores. Nessa toada, em 1902, Epitácio foi nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal, permanecendo no cargo até 1912; retornou à política elegendo-se senador.

Traz-se à colação esse recorte da biografia de Epitácio Pessoa para dizer que, originariamente, “paraíba” foi o símbolo da grandiosidade, do desprendimento, da capacidade de lutar e vencer obstáculos, o ponto alto da simplicidade e da coragem para deslindar o que é complexo, fazendo-o com toque de gênio. Ontem e hoje a Paraíba sempre prestou tributo desse naipe ao Brasil. Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello (1905- 1989), nascido em Alagoa Grande, Djaci Alves Falcão (1919 – 2012), Luís Rafael Mayer (1919- 2013), nascidos em Monteiro, entre tantos outros, acrisolaram a jurisprudência e presidiram o Supremo Tribunal Federal com maestria e dignidade. Mas não é só: a página não comporta a lista dos paraibanos que ultrapassaram as fronteiras do Nordeste, como José Américo de Almeida e Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello.

Para muitos, “paraíba” é sinônimo de nordestino; devo dizer que o elenco dos brasileiros ilustres nascidos naquele torrãozinho mui amado mostra-se enorme, a exemplo de Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo (1849— 1910) pernambucano, e Gilberto de Lima Azevedo Sousa Ferreira Amado de Faria (1887- 1969), sergipano, embaixadores; Jorge Leal Amado de Faria (1912 – 2001), baiano, jornalista e escritor, cujos livros foram traduzidos em oitenta países, em quarenta e nove idiomas. Registre-se ainda que Raquel de Queiroz (1910 -2003), cearense, foi a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras, concorrendo com um “monstro sagrado”, Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda (1892- 1979), alagoano, jurista de nomeada, professor e diplomata. Entre os nordestinos que contribuíram para a grandeza do Brasil não há de faltar o nome de Josué de Sousa Montello (1917 — 2006), com algumas obras traduzidas para os idiomas inglês, francês, espanhol, alemão e sueco, merecendo especial destaque Os Tambores de São Luís. O Piauí respondeu presente a essa chamada, com uma lista quase interminável de homens probos e cultos, contudo, para simbolizar aquela unidade da Federação foi escolhido o nome de Carlos Castelo Branco (1920- 1993), intimorato jornalista que se dedicava à reportagem política e, por sua luta em prol da liberdade de imprensa, ganhou vários prêmios. Carlos Castelo Branco integrou a Academia Brasileira de Letras, eleito que foi para a cadeira 34, em 1982.

Deixei de registrar relevantes feitos de inúmeros ex-presidentes da República nascidos no Nordeste Brasileiro porque este espaço é apolítico. Contudo, não me posso abster de consignar que José Linhares (1886 – 1957), cearense, na qualidade de presidente do Supremo Tribunal Federal, foi convocado para proceder à redemocratização da Nação. Cumpriu essa missão entre 29 de outubro de 1945 e 31 de janeiro de 1946, garantindo a realização das eleições, as mais livres, até aquele momento.

Essa página encontrava-se nos retoques finais, quando escutei alguém dizer:
– Permita—me entrar. Estou atrasado porque venho da Serra da Costela, limites da Paraíba.
O porteiro ordenou que o viajante se identificasse.

– O meu nome é Severino,
Como não tenho outro de pia,
Como há muitos Severinos,
Que é santo de romaria,
Deram então de me chamar
Severino de Maria;
Como há muitos Severinos
Com mães chamadas Maria,
Fiquei sendo o da Maria
Do finado Zacarias.[4]

O Brasil se caracteriza pelo pluralismo; e assim mesmo é que deve ser para que a democracia, plantinha tenra, no dizer do baiano João Mangabeira (1880 -1964), seja regada por muitos e possa crescer e florescer. Bairrismo, não…. Não convém! Jamais desejarei para mim a Pasárgada sonhada pelo pernambucano Manuel Carneiro de Sousa Bandeira (1886- 1968). “Quando eu me encantar quero ficar, / aos meus amigos podem contar, / na Chapada da Borborema, / no Torrão Potiguar / ou na Paraíba Pequena”[5]. Dali olharei o mundo que também é pequenino; não precisarei percorrer os sete mares para encontrar a tumba de Ciro que fundou o império Persa e, de repente, constatar que, aparentemente, essa tumba abriga os restos mortais da mãe de Salomão. Ao contrário de Manuel Bandeira, em qualquer lugar sou feliz, especialmente, na Chapada, escutando o coaxar dos sapos, ou ouvindo Djalma Aranha Marinho (1908 -1981), potiguar de Nova Cruz, professor, jurista e político, recitar Pedro Calderdin de La Barca. Ali é que conferirei vetustos apontamentos e concluirei que muitos caboclos desgraciosos, desengonçados, tortos, cuja aparência, ao primeiro lance de vista, revela faltar-lhes a plástica impecável, o desempeno, a estrutura corretíssima das organizações atléticas, na genialidade de Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha (1866 – 1909) — e, antes de tudo, um forte.

Ora, não devendo polemizar, porque bem-aventurados serão os mansos[6], prefiro acreditar que, sem o concurso de paraibanos, de nordestinos em geral, o Brasil seria menor. E louvados sejam os surdos de nascença ou aqueles que, se necessário, emudecem.

Desembargador Romão Oliveira, Presidente do TJDFT.