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DÍVIDA TRABALHISTA NÃO É BÔNUS NEM SUBSÍDIO!

Por Marcelo Buhatem.

 

A Justiça do Trabalho possui hoje 24 Tribunais Regionais, cerca de 4 mil juízes e um sem número de servidores, parque de tecnologia da informação etc., para julgar mais de 8 milhões de Reclamações por ano. Como o Brasil possui cerca de 41 milhões de pessoas em emprego formal, segundo o Pnad – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, significa dizer que a cada grupo de 5 pessoas, pelo menos uma pode estar litigando com o seu empregador, sem considerar as ações coletivas que não se tem base de dados.

Há, assim, uma infinidade de litígios trabalhistas dos quais 99% tratam de verbas não pagas aos respectivos empregados prejudicados.

Há reclamações milionárias, muita das vezes coletivas e volta e outra se lê notícias de que determinada empresa foi condenada a pagar milhões de reais a trabalhadores que, de alguma forma, tiverem seus direitos trabalhista, representados em verbas, glosadas pelo empregador quando da rescisão do contrato de trabalho ou durante relação de emprego.

Pois bem, no serviço público também é assim. Só muda o local ou a justiça competente, que passa a ser a comum ou cível. Há centenas de milhares de ações de cobrança contra União, Estados e Municípios e pelo mesmo motivo, qual seja, direitos trabalhistas sonegados, agora pela administração pública direta ou indireta. São ações que visam o recebimento de férias, licenças, índices ou fatores, reconhecimento de isonomia, gratificações etc. Estes entes acabam sonegando direitos e são quase sempre condenados a restituí-los em maior ou menor parte.

Esse movimento processual é absolutamente normal em países democráticos, desaguando no ajuizamento de ações quando empregado/empregador não chegam a um bom termo nas parcelas que compõem a rescisão do contrato de trabalho. Às vezes, diga-se, essa negociação ocorre, inclusive, durante o contrato a relação empregatícia, fazendo com que haja um ajuste nas respectivas cláusulas.

No entanto, quando esses mesmos direitos ou verbas trabalhistas em atraso são sonegadas a Magistrados e ele no livre exercício reivindica e a recebe o mundo vem abaixo. 100% das vezes a imprensa brasileira veicula, com grande alarde, que estes ou aqueles magistrados furaram o teto do funcionalismo público ao receberem verbas tidas ou confundidas com subsídios (nome do salário mensal dos magistrados). Críticas ácidas, pejorativas e humilhantes, com nome e sobrenome dos eventuais malfeitores do dinheiro público expondo, inclusive, em risco a segurança daqueles magistrados.

Ledo engano. Todos os trabalhadores do mundo podem e devem receber verbas trabalhistas em atraso, a exceção, parece, dos trabalhadores do judiciário brasileiro. Nenhum administrador, presidente de Tribunal, autorizará, em sã consciência, o pagamento de diferenças salariais sem o amparo legal. Obviamente que, quanto maior a sonegação do direito, maior será o valor a receber, ou seja, maior foi a espoliação do empregado e, assim, maior foi a dívida social com este.

Pois bem, por que os magistrados brasileiros não têm ou não podem ter o direito de receber verbas trabalhistas atrasadas? Onde consta na CF/88 essa proibição? Qual é o ordenamento jurídico que impõe ao magistrado abrir mão desses direitos? E por que abriria?  A isonomia no tratamento das relações de emprego estaria sendo objeto de discriminação? 

São perguntas de respostas tão óbvias que é impossível não perceber que grande parte dos críticos podem estar de evidente má fé. O pior é que em todas as matérias jornalísticas sobre os chamados altos salários do judiciário não há uma única pessoa a esclarecer não se tratar de salário e sim de verbas sonegadas por anos. O que é alto é o percentual de direitos não pagos durante anos pela administração e não os subsídios, que são fixados pelo Supremo Tribunal Federal em aproximadamente 27 mil reais líquidos.

Pois bem, quando lerem que determinado magistrado recebeu acima do teto do funcionalismo saiba que este valor decorreu de débito, de valores não pagos a tempo, de valores que podem não ter sido pagos por falta de orçamento momentâneo prejudicando o credor, que  foi obrigado a esperar para reaver o que é seu.

Finalmente, lembro ao leitor que o Poder Judiciário é o único que arrecada aos cofres públicos. Segundo o Justiça em Números (CNJ), o Poder Judiciário arrecadou 62% das suas despesas, totalizando R$ 62,39 bilhões. Esse foi um dos maiores montantes auferidos na série histórica, apenas superado pelo de 2019 (76,1%) e de 2018 (62,7%). Do total arrecadado, R$ 40,2 bilhões correspondem à liquidação de dívidas de devedores aos cofres públicos por meio das execuções fiscais, representando 64,4% da receita.

Assim sendo, é hora de passar a entender que quem arrecada estes valores merece, pelo menos, receber seus atrasados trabalhistas sem as críticas que os demais trabalhadores brasileiros não sofrem.

 

Marcelo Buhatem é Desembargador no TJRJ e Presidente da ANDES – Associação Nacional de Desembargadores.