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Discurso do Ministro Bruno Dantas, orador dos homenageados, na solenidade de entrega da medalha ANDES

Boa noite a todos e a todas!

 Foi com enorme satisfação que recebi o convite para proferir algumas palavras em agradecimento pela homenagem que estamos recebendo na data de hoje. Fico honrado em falar, nesta oportunidade, em nome dos agraciados com o recebimento da Medalha Andes.

Em primeiro lugar, gostaria de destacar a minha alegria de perceber a presença de muitos amigos e amigas aqui nesta noite, pessoas que admiro e que fico feliz de reencontrar. Em especial, depois de passarmos por esses mais de dois anos de uma pandemia que, além de toda a tragédia sanitária que representa para tantas famílias, nos privou de um convívio fraterno com pessoas tão ilustres.

Ao pensar nas palavras que faria nesta intervenção, meu primeiro impulso foi dar enfoque nas sensações trazidas pela alegria deste momento de reencontro. Mas logo percebi que seria em vão o esforço de transmitir em palavras sentimentos tão fundamentais que nos trazem as boas relações e a convivência harmônica entre pessoas amigas.

Certa vez, o escritor alemão Thomas Mann colocou na boca de um de seus personagens mais marcantes a seguinte reflexão, que compartilho:

“O essencial não se ajusta inteiramente às palavras. A gente pode empregar e fabricar muitas palavras, mas todas elas são apenas substitutivos; fazem as vezes de nomes que não existem; não lhes cabe pretender designar o que é totalmente impossível definir e qualificar por meio de palavras.”

Mas julgo apropriado falar hoje de algo que nos une, não somente a nós aqui presentes, mas a nossa civilização: a justiça, o direito, as instituições… E o funcionamento harmônico desses elementos para que a sociedade possa seguir seu curso em paz e com tranquilidade.

Os filósofos da pós-modernidade denunciaram a instabilidade dos conceitos, a queda dos ideais abstratos e a incapacidade explicativa das grandes narrativas e dos discursos totalizantes. A sociedade contemporânea não mais se sustenta por qualquer critério uniforme de credo, raça, religião ou mesmo valores comuns.

Senhores e Senhoras, o que faz com que toda a organização social pare de pé ainda hoje é a confiança no sentimento de justiça, na validade do direito e no bom funcionamento das instituições. E também em valores como o respeito, a harmonia entre os diversos entes e a solidariedade entre as pessoas.

Entre as diversas concepções de justiça que eu poderia trazer aqui, gostaria de enfocar apenas uma, relacionada à sua função. Conforme vemos nos escritos de Madison, especificamente no Federalista nº 51, a Justiça vai ser considerada como a pedra angular sobre a qual se institui a sociedade e pela qual se busca a pacificação social. Ele chega a dizer que a justiça é a meta do governo e meta da sociedade civil. E que ela sempre tem sido e sempre será perseguida até que seja alcançada ou até que a liberdade seja perdida no caminho de alcançá-la.

Gosto de mencionar também o entendimento de Norbert Elias, que vê a marcha da civilização como a supressão dos instintos de violência. A meu ver, o principal papel da própria cultura, do direito e, claro, das nossas instituições é criar arranjos que propiciem a pacificação dos conflitos, naturais na sociedade.

Os últimos dez anos de nossa história institucional foram bastante atribulados e turbulentos. É certo que os conflitos, em alguma medida, propiciam melhorias e aprendizado. Mas creio que precisamos entrar numa nova era, de maior valorização da estabilidade institucional e da harmonia.

Tenho a convicção de que a política e a boa convivência institucional são as arenas mais apropriadas para a solução dos conflitos. As divergências são naturais e devem ser valorizadas, mas é cada vez mais fundamental o máximo respeito de todos ao espaço alheio.

É verdade que vivemos tempos estranhos, em que falar de pacificação se mostra tão necessário quanto distante da realidade. Ou mesmo ingênuo. Sabemos que impera, ao contrário, uma polarização em grau inédito e o crescimento da raiva, do ódio e do discurso violento.

Mas, como canta Chico Buarque:

“Filha do medo, a raiva é mãe da covardia…”

Eu diria que medo, raiva e covardia só depõem contra a vida… E, com Guimarães Rosa, completaria afirmando que, ao contrário, “o que a vida quer da gente é coragem…”.

Falando em coragem, todos aqui temos muito trabalho pela frente para que as coisas possam ser melhores. Se nos sentimos coagidos pelo contexto, que nos obriga a isso, por outro lado, são riquíssimas as oportunidades que se abrem nessa janela da história.

Nós, os agraciados desta noite, em especial, saímos desta homenagem ainda mais comprometidos com essa causa, que é uma causa de todos.

Para concluir, menciono a última grande lição de Zygmunt Bauman, que nos convoca a agir, dentro das nossas possibilidades, mesmo num contexto de instabilidade como este:

 “Qualquer coisa que aconteça no universo acontece por acaso, de modo que eu acho que não é possível a completa eliminação da incerteza, mas acredito também que, dentro dos limites impostos a nós pelo universo, ainda há muito a fazer. Por exemplo, evitar o colapso do sistema de crédito ou a fuga súbita de migrantes de uma das guerras mais sujas e desagradáveis jamais ocorrida debaixo dos nossos olhos. Guerras previsíveis, guerras que podemos fazer com que não eclodam. E eu me permito sugerir que essas coisas – as pequenas coisas que podemos fazer dentro dos limites das nossas capacidades – são tantas, a ponto de podermos nos empenhar nelas durante toda a nossa existência.”

Agradecendo mais uma vez pela honra da homenagem e pela oportunidade de pronunciar essas breves palavras, desejo a todos uma ótima noite.

Ministro Bruno Dantas